Os humanos domesticaram duas espécies de equídeos: os equinos (Equus caballus) e os asininos (Equus asinus). Os equinos possuem 32 pares de cromossomos (2n=64) e os asininos, 31 pares (2n=62) (Ryder et al 1978). A diferença no número de cromossomos entre as espécies não é dada por uma simples fusão cêntrica. Há uma série de rearranjos cromossômicos como fusões, reposicionamento de centrômeros e inversões que promoveram diferenciação citogenética entre as duas espécies (Musilova et al 2013) e que acarretaram na diferença numérica de um par. Dada a proximidade genética entre as duas espécies, existe a possibilidade de cruzamentos entre elas dando origem a indivíduos híbridos: os muares. Há duas possibilidades de híbridos entre essas espécies: o cruzamento entre a égua e o jumento resulta na mula (fêmea) ou burro (macho); já o cruzamento entre o cavalo e a jumenta resulta no bardoto (macho) ou na bardota (fêmea). A diferenciação fenotípica dos híbridos de equídeos é muito difícil de ser feita. Atualmente já existem testes genéticos que usam DNA mitocondrial para diferenciar burros/mulas de bardoto(a)s já que esses grupos de híbridos possuem DNA mitocondrial de espécies diferentes (Franco et al 2016).
Sabe-se que híbridos de equídeos são inférteis. Essa é uma barreira evolutiva pós-zigótica para manter as espécies isoladas. As diferenças cromossômicas entre as espécies surgiram como a primeira hipótese para explicar a infertilidade. A explicação é que, com o rearranjo cromossômico entre as espécies, os cromossomos dos híbridos não conseguiriam se parear na meiose e portanto não conseguiriam produzir gametas (Steiner e Ryder, 2009). Todavia, há casos raros de mulas que foram mães (Ryder et al 1985, Rong et al 1988, Henry et al 1995). Isso sugere que, mesmo com os rearranjos cromossômicos, existe a possibilidade de pareamento. Então levanta-se a hipótese de que outros mecanismos que não a diferença entre cromossomos possam estar influenciando a esterilidade (Steiner e Ryder, 2009) e que porventura eles venham a falhar, originando os híbridos férteis. O primeiro gene descrito como sendo causador de infertilidade em vertebrados foi o PRMD9 em camundongos (Mihola et al 2009). Esse gene codifica uma proteína responsável por pontos de recombinação (crossing-over) ao longo do genoma, atuando na prófase da meiose (Myers et al 2009). Diferenças alélicas do PRMD9 entre espécies de camundongos, quando se encontram no híbrido causam a não produção de gametas, ou seja, os indivíduos são viáveis, mas infértes (Mihola et al 2009). Todavia, já se estudaram uma mula fértil que apresentaram diferenças alélicas para o gene PRMD9. Ou seja, os alelos diferentes não causaram sua esterilidade, sugerindo que outros genes podem estar atuando de maneira semelhante nos híbridos de equinos para causar esterilidade (Steiner e Ryder, 2009).
Em resumo, desconhece-se ainda a causa da fertilidade de alguns híbridos de equídeos. Tentar entender quais os genes que estão por detrás da esterilidade dos híbridos de é fundamental importância para melhor entendermos o processo de produção de gametas, além do processos evolutivo dos equinos e asininos domésticos. Por isso, reportar casos de mulas e bardotas férteis é de extrema importância a fim de se fundamentar essa investigação científica. Assim, não hesitem em nos contatar quando souberem desses casos para que material biológico possa ser coletado para estudos genéticos.
Referências
Franco et al. (2016) Quick method for identifying horse (Equus caballus) and donkey (Equus asinus) hybrids. Genetics and Molecular Research 15(3).
Henry M et al (1995) Mating pattern and chromosome analysis of a mule and her offspring. Biology of Reproduction Monograph Series 1: 273–279.
Mihola O et al (2009) A Mouse speciation gene encodes a meiotic Histone H3 Methyltransferase. Science 323: 373–375.
Musilova et al. (2013) Subchromosomal karyotype evolution in Equidae. Chromosome Res 21:175–187
Myers S et al. (2009) Drive against hotspot motifs in primates implicates the PRDM9 gene in meiotic recombination. Science 327: 876–879.
Ryder OA et al (1985) Male mule foal qualifies as the offspring of a female mule and jack donkey. Journal of Heredity 76: 379–381.
Rong R et al. (1988) A fertile mule and hinny in China. Cytogenetics and Cell Genetics 47: 134–139.
Steiner e Ryder (2013). Characterization of Prdm9 in Equids and Sterility in Mules. Plos One. | Volume 8 | Issue 4 | e61746.
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