Produção de leite A2 em bovinos
Gregório Miguel Ferreira de Camargo*
*Zootecnista, doutor em Genética e Melhoramento Animal, professor adjunto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Dois Vizinhos-PR.
Uma das proteínas do leite de bovinos é a beta-caseína. Ela constitui o grupo das caseínas. Em bovinos, o gene da beta-caseína possui os alelos A1 e A2, dentre outros. A diferença dois dois alelos é conferida por uma polimorfismo de base única (SNP) (o tipo mais frequente de mutação no genoma) em que ocorre uma substituição de um nucleotídeo com um adenina (A) (alelo A1) por um nucleotídeo com uma citosina (C) (alelo A2). O polimorfismo localiza-se no nucleotídeo 8101, no éxon 7, e ocasiona uma substituição do aminoácido na posição 67 de uma histidina (CAT) por uma prolina (CCT).
A beta-caseína A1 quando degradada no trato gastrointestinal humano origina um peptídeo chamado beta-casomorfina 7. Alguns estudos indicam que esse peptídeo é o causador da alergia do leite que alguns seres humanos apresentam. Assim, em tese, se o leite a ser consumido não tivesse beta-caseína A1, ele não seria alergênico. O leite que possui somente beta-caseínas A2 é chamado de leite A2. Ele é produzido a partir de vacas cujo genótipo para o gene da beta-caseína é o A2A2.
Outros estudos médicos ainda mostram que a proteína A1 pode estar associada a maiores riscos de doenças coronarianas, maior incidência de diabetes tipo 1, síndrome do intestino irritado e até autismo e esquizofrenia. Todavia, comentários sobre a real influência dessa proteína na saúde humana, deixamos para análises de profissionais da área médica, mesmo porque há estudos que não indicam os benefícios. Resguardamo-nos a comentar sobre os benefícios e oportunidades na produção animal.
A produção de leite A2 torna-se um nicho de mercado interessante para produtores de bovinos, sendo possível a obtenção de leite e derivados não-alergênicos. Se o produtor tiver interesse nesse tipo de produção, há a necessidade de fazer uma seleção assistida por marcadores moleculares dos animais em seu rebanho. Primeiramente, coleta-se material biológico (sangue ou folículo piloso) dos animais da propriedade para envio a laboratório especializado na execução do teste. No laboratório, extrai-se DNA e genotipa-se para o marcador em questão. O produtor receberá os genótipos de seus animais (A1A1, A1A2 ou A2A2). Ele poderá permanecer somente com os animais A2A2 na propriedade ou ordenhá-los separadamente (em sistemas de ordenha distintos) dos demais.
No Brasil, o laboratório de Genética Molecular do departamento de Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Jaboticabal, sob coordenação do professor Humberto Tonhati (), realiza o teste por um preço de R$60,00 o animal.
Estudos de pesquisa mostraram que a frequência do alelo A2 é baixa em raças taurinas. Para populações da raça Holandesa, a frequência do alelo A2 varia de 0,24 a 0,62. Dificultando o processo de seleção assistida. A exceção, entre as raças taurinas é a raça Guernsey (frequências do alelo A2 variando de 0,88 a 0,97) pouco difundida no Brasil. Todavia, estudos indicam que a raças zebuínas a frequência do A2 é maior, mostrando a potencialidade de produção utilizando essas raças e maior facilidade de seleção assistida. Resultados preliminares, no Brasil, com a raça Gir, indicam um frequência de 0,88 para o alelo A2, estando em aberto pesquisas para estudos das frequências em outras raças zebuínas. A produção de leite baseada em raças zebuínas e cruzados ganha fator importante para quem quiser trabalha nesse segmento e adicionar valor ao produto vendido.
Na Oceania (Austrália e Nova Zelândia), há fazendas especializadas em leite A2. É possível comprar, em diversas lojas e cafés, leite e derivados lácteos A2. O mercado mostra-se em expansão chegando ao Reino Unido e EUA.
Por fim, a atividade de produção de leite A2 mostra-se viável. O investimento feito gera lucro atraentes, pois há mercado consumidor para tal produto.
Referências:
Elliot RB, Harris, Dp, Hill, JP, et al. Type I (insulindependent) diabetes mellitus and cow milk: casein variant consumption. Diabetologia 42:292-296, 1999.
Gobbetti, M., Stepaniak L., De Angelis, M., et al. Latent bioactive peptides in milk proteins: proteolytic activation and significance in dairy processing. Crit. Rev. Food Sci. Nutr. 42:223-239, 2002. http://vetconcerns.org/content/beta-casein-a2-gene-found-vechur-cattle acesso em 15/09/2011.
Kaminski, S., Cieslinska, A., Kostyra, E. Polymorphism of bovine beta-casein and its potencial effect on human health. J. Appl. Genet. 48(3), 189-198, 2007.
Mc Lachian, CNS. Beta casein A1, ischemic heart desease mortality and other illness. Med. Hypotheses 56, 262-272, 2001.
Milk Point. Leite A2 ganha cada vez mais espaço no mercado mundial (http://www.milkpoint.com.br/industria/cadeia-do-leite/giro-de-noticias/leite-a2-ganha-cada-vez-mais-espaco-no-mercado-mundial-99123n.aspx), 2016
Vercesi Filho, AE et al. Identificação de alelos A1 e A2 para o gene da beta-caseína na raça Gir Leiteiro. IX Simpósio Brasileiro de Melhoramento Animal. 2012
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Tenho uma dúvida:
Não é mais fácil selecionar os animais pela amostra do leite já que existe variação na proteína produzida?
Maira,
sinceramente, eu desconheço se há testes para os diferentes tipos de beta-caseína. Todavia, esses testes de proteína são em geral mais caros do que os testes de DNA. Além do que, você deveria avaliar o leite de cada animal separadamente.